2020-2 – Grupo de estudos – Neoliberalismo e neoconservadorismo: o impacto sobre os direitos individuais
Em sua caracterização do neoliberalismo, Loïc Wacquant identifica um núcleo institucional que se constitui “numa articulação entre Estado, mercado e cidadania que aparelha o primeiro para impor a marca do segundo à terceira.” Esse projeto não envolve a retirada do Estado, mas sua reengenharia para apoiar a criação e o estabelecimento do mercado. Para o autor, a neoliberalização enquanto ampliação do domínio de mercado constituiu-se em paralelo à grande reabilitação e expansão do aparato penal do Estado. O Leviatã neoliberal se assemelha para Wacquant (WACQUANT, Loïc. Três etapas para uma antropologia histórica do neoliberalismo realmente existente. Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 66, p. 505-518, set./dez. 2012) a um Estado-centauro que exibe rostos opostos nos dois extremos da estrutura de classes: ele é edificante e ‘libertador’ no topo, onde atua para alavancar os recursos e expandir as opções de vida dos detentores de capital econômico e cultural; mas é penalizador e restritivo na base, quando se trata de administrar as populações desestabilizadas pelo aprofundamento da desigualdade e pela difusão da insegurança do trabalho e da inquietação étnica.
A implementação desse Estado-centauro exige apoio popular. Visando alcançá-lo, os políticos utilizam-se de uma estratégia retórica e cultural muito eficaz: atribuir à categoria de “política” um peso pejorativo. Diversas instituições estatais são apontadas como corrompidas pela “política” e, por isso, com necessidade de reforma. Mais do que uma retórica do quadro político, o projeto político neoliberal precisa ser legitimado no corpo social por fontes não-políticas. Segundo William Davies (DAVIES, William. The Neoliberal State: Power Against ‘Politics’. In: CAHILL, Damien et al (Ed.) The sage handbook of neoliberalism, 2018, p. 273-283), as duas fontes “não-políticas” principais do neoliberalismo são a tecnocracia e o sentimento popular. A tecnocracia implica transferir poder de esferas políticas para outras supostamente não poluídas pela política, chamadas de técnicas.
Para encontrar apoio no sentimento popular, o neoliberalismo aproveita-se de problemas originários do próprio mecanismo de mercado para culpar a política e outros grupos, especialmente minorias sociais. A aliança neoliberalismo-conservadorismo não é, portanto, uma incongruência. Foi assim com Margareth Thatcher na Inglaterra: o thatcherismo conectou pressupostos morais e culturais populares (pressupostos conservadores de uma sociedade que estava culturalmente em mudança) à paisagem econômica em mudança dos anos setenta. Esses pressupostos culturais eram “conservadoras”, enfatizavam a família, a autoconfiança e a tradição nacional, e foram explicitamente discutidos por Thatcher (DAVIES, 2018).
Wendy Brown (2019), sustenta que há, por parte do neoliberalismo, uma demonização do social e do político e valorização da moralidade tradicional e do mercado como seus substitutos. Em paralelo à mercantilização da vida cotidiana ocorre a expansão da esfera privada de modo a “deslegitimar o conceito de provisões de bem-estar social e o projeto de democratização dos poderes sociais de classe, raça, gênero e sexualidade.” (BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, p. 132-133).
Nesse semestre, o SOCIODIR pretende estudar as intersecções entre o neoliberalismo e o conservadorismo moral de modo a identificar como o conservadorismo moral se alia ao neoliberalismo de modo a gerar uma expansão da esfera privada e deslocar valores públicos como a igualdade e a não discriminação.
Para a participação no Grupo de Estudos é necessário realizar inscrição no seguinte link: http://inscricoes.ufsc.br/neoliberalismo-neoconservadorismo
Os encontros serão virtuais e o link para acesso será enviado ao e-mail dos inscritos (a cada encontro, será um novo endereço).
Será conferido certificado de participação de 20h para quem participar em 75% dos encontros (ao menos 4 encontros).
Certificados: estão disponíveis no link: [basta acessar com seu CPF] https://certificados.ufsc.br/
Os encontros serão quinzenais, nas quintas-feiras (conforme calendário abaixo) e se realizarão sempre às 17h.
Os textos estão disponíveis no drive: Acesse aqui
1º/10 – Neoliberalismo, despolitização e neoconservadorismo
BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. Political Theory, Vol. 34, No. 6 (Dec., 2006), pp. 690-714. Disponível em: https://sxpolitics.org/wp-content/uploads/2018/05/Wendy-Brown-American-Nightmare.pdf
Versão em francês disponível em: https://www.cairn.info/revue-raisons-politiques-2007-4-page-67.htm
15/10 – A expansão da esfera privada
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019 – cap. 3 (A ESFERA PESSOAL E PROTEGIDA DEVE SER ESTENDIDA) (p. 109-150)
29/10 – A reinterpretação dos direitos individuais na Suprema Corte Norteamericana
BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019 – cap. 4 (BOLOS FALAM; CENTROS DE GRAVIDEZ ORAM) (p. 151-195)
12/11 – “Frankenstein” do neoliberalismo
BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo – liberdade autoritária nas ‘democracias’ do século XXI. In: RAGO, Margareth; PELEGRINI, Maurício (Org.). Neoliberalismo, Feminismo e Contracondutas: Perspectivas Foucaultianas. São Paulo: Intermeios, 2019, p. 17-49.
Complementar: BROWN, Wendy. Undoing the Demos: Neoliberalism’s Stealth Revolution. New York: Zone Books, 2015, p. 99-107 (The gender of home economicus).
26/11 – Políticas anti-gênero no Brasil: a ideologia de gênero
CORRÊA, Sonia; KALIL, Isabela. Políticas antigénero en América Latina: Brasil, 2020, Prefácio (p. 5-10) e p. 41-93.
Complementar: MARIE, Fhoutine; ANDRADE, Daniel Pereira. Neoliberalismo, virada conservadora e a guerra contra as mulheres. In: RAGO, Margareth; PELEGRINI, Maurício (Org.). Neoliberalismo, Feminismo e Contracondutas: Perspectivas Foucaultianas. São Paulo: Intermeios, 2019.
10/12 – A disputa no Poder legislativo brasileiro: familismo, conservadorismo e neoliberalismo
SANTOS, Rayani Mariano dos Santos. As disputas em torno das famílias na Câmara dos Deputados entre 2007 e 2018: familismo, conservadorismo e neoliberalismo. Tese de Doutorado. Programa de Pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, 2019, 147-180 (“As disputas em torno das famílias nos projetos de lei e documentos”) e p. 229-254 (Fronteiras entre autoridade familiar e Estado; Reprodução social, famílias e neoliberalismo). Disponível: https://repositorio.unb.br/handle/10482/38470